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domingo, 5 de setembro de 2010

Reserva Selous mostra seus cachorros selvagens, ameaçados de extinção

Scholastica Ponera é um excelente exemplo de Mama África. Depois que seu marido faleceu, ela decidiu que tomaria os negócios do esposo em mãos e criou uma operadora de safáris, chamada Pongo. Ela tem trânsito livre entre as autoridades de turismo e de meio ambiente de toda a Tanzânia e consegue falar com qualquer ministro ou embaixador em um estalar dos dedos. Sua presença e desenvoltura impõem respeito e seu humor a torna querida por todos.

Conhecemos Scholastica – seu nome é inspirado no da santa italiana do século VI – e ficamos entusiasmados com sua maneira de ser. Logo acertamos que deveríamos fazer um safári juntos. “Iremos a Selous, no sul do país, uma região fora dos circuitos tradicionais dos safaris do Serengueti e Kilimanjaro”, disse Scholastica. Ela retirou seu Blackberry da bolsa e começou a organizar a viagem. “Vocês nem precisam viajar com a Nandi, deixem o carro em minha casa. Irão com uma das camionetas de Pongo Safaris.” Poucos dias depois já estávamos na reserva.

Nandi ficou na capital e fomos para Selous em uma camioneta de teto aberto, mais apropriada para filmagem e fotografia.

A mata em Selous é bem mais fechada do que nas savanas do norte da Tanzânia. Isso significa que o campo de visão também é mais reduzido. Nas primeiras duas horas, vemos apenas girafas e impalas. À medida que rodamos dentro do parque, minha frustração aumenta. Depois de tantos meses na África, o que queremos fotografar são os animais icônicos, como leopardos, chitas ou leões. “Foram horas de uma estrada de terra cheia de buracos para chegar até aqui. E tudo isso apenas para ver mais uma girafa?” converso com meus neurônios.

Resolvo mudar de tática. Fecho os olhos, aproveitando o balanço da camioneta, e me concentro em um pedido. “Querida deusa protetora de Selous, estou em suas terras para descobrir suas riquezas e divulg¬á-las no meu país. Se você insistir em mostrar apenas girafas e impalas, nada poderei contar sobre seus tesouros. Assim, imploro que você me revele o que você tem de mais valioso!” Mando o email mental para deusa@selous.tz e volto à realidade. E a ver mais um grupo de impalas…

Passam 20 minutos e nossa lassidão é quebrada por uma freada. Olhamos todos para frente. No meio da estrada, descobrimos um animal deitado perto de uma poça de lama, meio lambuzado. Não acredito no que vejo: é um cachorro selvagem africano, uma espécie rara e difícil de ser avistada! Eu, com tantas viagens e safáris nas costas, nunca tinha visto esse animal na natureza!

Somos obrigados a parar. Um cachorro selvagem resolveu escolher a estrada de areia como lugar para tirar um cochilo.

O cachorro selvagem africano (Lycaon pictus) é um canídeo ameaçado de extinção. Ele já desapareceu da África do Oeste. Conservacionistas estimam que exista entre 3.000 a 5.500 animais, distribuídos em locais específicos, como no parque nacional Kruger (África do Sul), no delta do Okavango (Botsuana) e aqui na reserva Selous, no sul da Tanzânia.

Mantemos distância do animal e começamos a clicar. Poucos minutos depois, mais uma surpresa: três outros cachorros aparecem na estrada. Caminham em nossa direção. A adrenalina aumenta. Eles passam bem perto do veículo e vão beber água em uma poça.

Cada cachorro selvagem possui um desenho individual de manchas e pintas, mas as cores são as mesmas: branco, preto e castanho.

Mikael chama minha atenção para o mato à direita. Agora são mais seis que aparecem. O local na estrada torna-se um ponto de encontro para a matilha. Conseguimos contar mais de 15 canídeos. “É a primeira vez que vejo tantos animais juntos. Sabemos que existe um grupo de 25 cachorros selvagens em Selous”, diz Hans, o filho mais velho de Scholastica. “Mas encontrar tantos no meio da estrada, é muita sorte.”

Sorte? Não, o crédito não pode ir para o acaso. Tenho certeza que a responsável por essa produção foi a deusa de Selous, a que gerencia os movimentos de todos os animais da reserva. Ela colocou um cachorro no meio de nosso caminho para que não pudéssemos passar sem vê-lo; chamou mais uma dúzia de animais para melhorar o espetáculo e ainda fez com que todos ficassem perto de nosso carro durante 40 minutos! A deusa atendeu meu pedido e agora é minha vez de cumprir o trato e agradecer publicamente. Obrigado, natureza! Obrigado, Mama África!

Dois cachorros selvagens africanos, depois de cruzar a estrada, encontram um lugar sombreado para descansar.

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